quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Moldura

Realmente precisamos de ousadia para largar tudo, para nos perdermos no novo e no desconhecido, naquilo que nunca foi vivido ou experimentado, para nos encontrarmos definitivamente. Caso contrário, nós corremos o risco de viver como personagem que os outros fazem de nós, resignando-nos dentro de uma moldura até o final dos tempos, sem perceber que a moldura se torna mais importante e valiosa do que o seu conteúdo. Quantas vezes delicadas aquarelas e desenhos a bico de pena são esmagados contra pesados encaixes, enquanto belíssimos quadros a óleo quase explodem suas molduras leves demais.
Por que será que não penduramos na parede uma obra de arte sem moldura? Será que seu conteúdo se torna mais atraente pelos limites fixados? Ou será que os registros artísticos podem ser falsificados através da moldura? Lembro-me dos pensamentos que tive no meu primeiro dia na Ìndia, quando fiz uma comparação, quase impulsivamente, com a obra de arte de um grande mestre.
Essa viagem deveria me ajudar a reconhecer as fixações e os limites para que eu pudesse encontrar coragem para achar minha própria essência e, se ncessário, romper com formas limitadas, com a promessa de falsas certezas, para alcançar o eterno e contínuo conteúdo do meu ser.
Agora não posso mais retroceder diante dessa ruptura. Água estagnada apodrece e deixa de propiciar qualquer possibilidade de vida para peixes e outros animais. Apenas plantas parasitas se reproduzem nesse ambiente. Da mesma forma, as águas claras e transparentes do passado transformam-se aos poucos num lodaçal, num pântano ilusório, que, ao contrário de prometer solo firme, engole tudo irremediavelmente e nos puxa para o mais fundo das nossas próprias dependências.
Reconheci muitas das minhas limitações, mas, para curá-las e não destruí-las, é necessário retirar cuidadosamente as "molduras". Não devemos precipitar os fatos, criar novos confrontos; mas como o amor infinito, paciência e tolerância libertando-nos dos entrelaçamentos e compromissos criados por nós mesmos. Devo continuar a crescer livre e sem barreiras, com bastante espaço interno para que as pessoas possam se desenvolver à sua própria maneira. Como sempre, a natureza nos oferece os melhores exemplos.

Papiros Indianos
Autora: Karin Czech
Editora: Giostri - 2010 - páginas 283 e 284

Nenhum comentário: