quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Livrando-se da vaquinha magrela

Reverenciado como um dos homens mais sábios e bondosos de seu tempo, um velho mestre caminhava há dias com seu discípulo quando, ao longe, avistaram um casebre no alto de uma montanha e decidiram ir até o local para pedirem um pouco de água e abrigo para a noite. Porém, chegando lá, depararam-se com uma casinha caindo aos pedaços, e, na entrada, um casal e seus três filhos pequenos, todos maltrapilhos e subnutridos. Apesar de toda miséria, o casal acolheu os visitantes da melhor forma possível, oferecendo-lhes água, parte da pouca comida que tinham e o único quarto da casa para que descansassem. Grato pela receptividade, o sábio ancião perguntou: “Vejo que vocês são pessoas boas e honradas, mas como conseguem sobreviver num local tão pobre e afastado?”. “O Senhor vê aquela vaquinha? É graças a ela que estamos vivos”, respondeu o chefe da família. “Mesmo sendo tão magrinha, todo dia ela nos dá leite para beber e fazer um pouco de queijo. E, quando sobra, trocamos o leite por alimentos na cidade. Se não fosse por ela, já estaríamos mortos”, completou o homem, e todos foram dormir.
No outro dia, os visitantes agradeceram a hospitalidade e partiram. Eles haviam caminhado por alguns minutos quando, ao passar por um precipício que margeava a estrada, o sábio parou e disse ao discípulo: “Volte até a casa, pegue aquela vaquinha magrela e jogue-a neste abismo.” O aprendiz ficou atônito: “Mestre, mas a vaca é o sustento daquela família: sem ela, eles vão morrer...” Mas de nada valiam os argumentos. O ancião apenas o fitava, em silêncio, até que o aluno se calou e, inconformado, fez o que lhe fora mandado.
Vários anos se passaram, mas o pensamento sobre qual teria sido o destino daquela gente não deixava de atormentar o discípulo. Um dia, no ápice do remorso, ele decidiu voltar ao local para pedir perdão àquelas pessoas. Porém, chegando lá, encontrou um cenário que o deixou ainda mais culpado. Em vez do casebre em ruínas, havia um lindo sítio no lugar, com uma casa enorme, piscina e vários empregados. O aprendiz pensou: “Pobres coitados, se não morrerão, certamente foram obrigados a vender sua terra e devem estar mendigando em algum canto”. Em seguida, ele se dirigiu a um homem que, robusto e bem vestido, parecia ser o dono do sítio, perguntando se ele sabia o paradeiro da família que vivia ali. Então, para seu espanto, o sujeito respondeu: “Ora, claro que sei, somos nós mesmos”.
Na hora ele reconheceu o homem, assim como a mãe e seus filhos, que, em vez da trupe maltrapilha de antes, agora eram três jovens fortes e uma mulher linda e bem cuidada. Pasmo, ele disse ao antigo anfitrião: “Mas o que aconteceu? Há alguns anos, estive aqui com meu mestre, e este lugar era uma miséria só. Como conseguiram progredir tanto?” Ao que o sorridente fazendeiro respondeu: “Tínhamos aquela vaquinha que nos dava nosso sustento, mas no dia que vocês partiram, ela caiu no desfiladeiro e morreu. No começo, achamos que íamos morrer de fome. Mas, diante da necessidade, todos nós tivemos que encontrar alguma atividade nova para ganhar a vida e, com isso, acabamos descobrindo talentos que nem sonhávamos ter. E o resultado é esse que você vê”.
A história dessa família e sua vaca é uma metáfora perfeita para algo que, de uma forma ou de outra, é uma realidade para quase todos nós: o modo como, sem consciência, passamos a vida nos apoiando em alguma vaquinha magricela. Uma vaquinha que pode se manifestar em relação às mais variadas questões que enfrentamos na vida: a falta de realização profissional; a incapacidade de viver um amor de verdade; o apego diante da perda de um ente querido; a dificuldade em aceitar a si mesmo e aos outros; e por ai vai. É raro encontrar alguém que, em algum momento, não tenha ficado preso à sua vaquinha, achando que aquilo era o máximo a que ela teria direito na vida, em vez de buscar maneiras novas e mais gratificantes de viver.

“que cada um de nós possa se livrar de sua vaquinha magrela e, com isso, despertar e manifestar o seu ilimitado potencial de criatividade, liberdade, amor e alegria”.

Livro: Palavras de Poder
Autor: Lauro Henrique Junior
Editora: Leya – São Paulo – 2011

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